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 Comunicado da Comissão Nacional do ICOM na sequência dos recentes acontecimentos que afetaram o Museu do Chiado / Museu Nacional de Arte Contemporânea
Comunicado da Comissão Nacional do ICOM na sequência dos recentes acontecimentos que afetaram o Museu do Chiado / Museu Nacional de Arte Contemporânea

 

Na sequência dos recentes acontecimentos que afetaram o Museu do Chiado / Museu Nacional de Arte Contemporânea e levaram à demissão do seu Diretor, David Santos, a Comissão Nacional do ICOM lamenta o processo conducente a esta situação e as consequências que dela decorrem para a gestão do museu e para o seu pleno funcionamento.

 

Constituindo objetivos da Comissão Nacional do ICOM o desenvolvimento dos museus como instrumentos de educação e cultura ao serviço da comunidade e a defesa da deontologia e da ética nas práticas dos profissionais de museu, é com perplexidade que vemos o desrespeito e o descuido no tratamento dos aspetos museológicos presentes neste caso, ao arrepio da Lei-Quadro dos Museus Portugueses(LQMP). Tanto mais que emanam da própria tutela da Cultura, cujo exemplo deveria nortear as ações e práticas dos museus em Portugal.

 

À luz da LQMP, em que os profissionais dos museus se empenham e reveem, este caso evidencia asfragilidades e ziguezagues da política museológica nacional,descuidos formais e ausência de consulta democrática. À Comissão Nacional do ICOM preocupam em particular os riscos que podem impender sobre os acervos dos museus e a salvaguarda das coleções que devem respeitar as funções museológicas definidas pelo Código Deontológico internacional e pela LQMP.

 

Com efeito, o Despacho nº 1849-A/2014 do Secretário de Estado da Cultura determinou a afetação da denominada ?coleção SEC? à DGPC, com incorporação das suas obras no Museu do Chiado / MNAC. Com este despacho cumpriu-se uma das formas de incorporação previstas no artigo 13º da LQMP, a de afetação permanente, e em simultâneo cumpria-se também uma das funções museológicas obrigatórias, a de incorporação.

 

Incorporados os bens culturais que constituem a coleção SEC no Museu do Chiado / MNAC, pelo Despacho de 2014, podemos questionar se a sua revogação, ?por mera conveniência?, por novo Despacho do próprio SEC, Despacho n.º 7863/2015, de16 de julho de 2015, com efeitos a 6 de julho, constitui uma forma legal de desincorporação. A LQMP não prevê a desincorporação, a exemplo da maioria da legislação internacional sobre esta matéria, muito embora o debate em torno da ?alienação responsável? esteja na ordem do dia em vários países, como são os conhecidos casos dos EUA e da Holanda. Ou seja, os bens culturais incorporados em museus não são passíveis de alienação, por motivos benévolos de prevenção da sua venda ou de outras formas de consideração dos acervos como ativos financeiros a que se opõe o Código do ICOM.

 

Neste contexto, o artigo 65º da LQMP esclarece que "a desafetação de bens culturais do domínio público incorporados em museus carece de autorização do Ministério da Cultura [à data ainda existente] ouvido o Conselho de Museus". Pela proximidade de matérias, e dada a inexistência de referências na LQMP à desincorporação, cremos que a revogação do Despacho que determinava a afetação da coleção SEC à DGPC (e explicitamente com incorporação no MNAC) deveria ter seguido os mesmos procedimentos previstos no artigo 65º e ouvir o órgão consultivo atual, a SMUCRI. O que, como sabemos, não aconteceu.

 

Aqui chegados, não é clara a situação factual e legal da coleção SEC ?desincorporada? do MNAC nem o seu destino. A sua potencial reafectação à Direção-Geral das Artes, um organismo administrativo não museológico, é suscetível de abrir um perigoso (e ilegal?) precedente, ao deixar ao arbítrio de qualquer tutela pública (central, regional e municipal) ou privada a desincorporação de acervos de museus e a sua afetação a entidades de outra natureza e sem vocação para o cumprimento das funções museológicas. O atropelamento do superior interesse público do património cultural revela-se neste caso sem que, uma vez mais, sejam conhecidas razões estruturais e relevantes para a irrefletida decisão agora tomada.

 

A Comissão Nacional do ICOM denuncia esta situação e expressa a expetativa de que a decisão que lhe está na base seja revogada, no respeito integral pela LQMP e na defesa do superior interesse do património cultural e dos museus.

 

Comissão Nacional do ICOM

17 de Julho de 2015

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